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Canabidiol para quem precisa | O Globo

Lei paulista que determina o fornecimento gratuito da substância é novo avanço no cenário regulatório brasileiro

Por Flávio Rezende

A nova lei do Estado de São Paulo que institui o fornecimento gratuito do canabidiol (CBD) é mais um passo adiante no cenário regulatório brasileiro.

Os avanços científicos sobre o papel dos fitocanabinoides (derivados vegetais da Cannabis) na medicina do século XXI são indubitáveis. O CBD tem sido amplamente estudado em condições graves e refratárias, que afetam os pacientes e as famílias.

Os dados mais impactantes da terapia com os fitocanabinoides vêm dos estudos em formas graves e raras de epilepsias, como as síndromes de Dravet e de Lennox-Gastaut, e no complexo de esclerose tuberosa. O conhecimento tem avançado em outras condições consideradas intratáveis ou refratárias — como nos sintomas comportamentais do autismo e da demência, bem como na dor crônica.

A Lei 17.618 de 31 de janeiro de 2023 do Estado de São Paulo tem o potencial de influenciar a regulação dos fitocanabinoides no país.

O primeiro ponto a ser ressaltado é ela respeitar um dos princípios fundamentais do SUS: a universalidade. O texto é congruente com o direito constitucional do acesso à saúde a todas as pessoas que necessitem, cabendo ao Estado assegurá-lo.

O segundo ponto é a lei utilizar de forma inédita a expressão “medicamentos formulados de derivado vegetal”, deixando de lado a terminologia “produtos de Cannabis” — expressa nas resoluções 327/2019 e 660/2022, que tratam das regras de autorização sanitária e de importação das formulações. A partir desse marco legal, o legislador reconhece a necessidade de oferecer aos pacientes formulações com grau farmacêutico — com concentração, pureza e estabilidade definidas. Esse movimento é o ponto de partida para separar produtos caracterizados como suplementos alimentares noutros países, mas vendidos no Brasil como se medicamentos fossem.

O terceiro ponto positivo é a legislação incluir o tetrahidrocanabinol (delta-9-THC) e outros canabinoides como moléculas ativas — com potenciais efeitos terapêuticos —, não os tratando como simples “contaminantes” que devem ser mantidos nas menores concentrações possíveis. Esse é um excelente passo, que pode reforçar a necessidade de pesquisas com outros canabinoides, como o canabigerol (CBG) e o canabinol (CBN).

A implementação das diretrizes será de responsabilidade da Secretaria de Estado da Saúde de São Paulo. Espera-se que a regulação amplie o acesso aos que mais necessitam, que siga as evidências científicas — reconhecendo os níveis de evidências e ao mesmo tempo não ignorando os princípios do uso compassivo (quando não há mais alternativas terapêuticas). Uma das boas iniciativas seria aproveitar a lei para implementar estudos de eficácia e segurança no mundo real, bem como de desfechos de farmacoeconomia. Essas medidas alçariam o Brasil a um patamar inédito, mundialmente reconhecido.

*Flávio Rezende, doutor em neurologia pela UFRJ, é diretor científico e membro fundador da Associação Médica Brasileira de Endocanabinologia

Originalmente publicado em O Globo.

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